Da penhorabilidade do bem de família do fiador

Em julgado recente, o colendo STF, conforme se divulgou, afastou a possibilidade de penhora de bem de família em contrato de locação não residencial (RE 605.709). Como é sabido, a doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há pelo menos 12 anos, têm entendimento pacífico sobre a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador por débitos decorrentes do contrato de locação, consoante o disposto no artigo 82 da Lei 8.245/91, que acrescentou a exceção prevista no inciso VII do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90, não configurando, no caso, afronta ao direito de moradia previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988.

O STJ, pelo mesmo período, tem reafirmado esse entendimento, como se pode notar por seus precedentes e, também, pelo enunciado de súmula nº 549, que assim leciona: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”. Importante dizer que esse consenso, em momento algum, excluiu a aplicação da referida exceção ao contrato de locação não-residencial, para privilegiar, tão só, o contrato de locação residencial. Ademais, a própria lei não faz essa exclusão, motivo pelo qual a exceção à penhorabilidade do bem de família é plenamente aplicável aos dois casos (residencial e não-residencial).

Ainda assim, diante de toda essa remansosa jurisprudência, a Primeira Turma do STF, por maioria, se inclinou pelo afastamento da penhora do bem de família do fiador em contratos de locação não-residencial, para afirmar não ser possível a medida constritiva. Não se descure, especialmente, que o Pleno do próprio STF, na análise do RE nº 612.360-RG, reconheceu a repercussão geral do tema e, no mérito, reafirmou a jurisprudência da Corte no sentido de que a penhora do bem de família pertencente a fiador de contrato de locação não viola o disposto no artigo 6º da Constituição Federal. Jamais houve, portanto, qualquer distinção entre a fiança prestada em contrato residencial e a fiança prestada em contrato não-residencial.

Nessa mudança de orientação trazida no Agravo Regimental que restou por processar o Extraordinário, a discussão passa pelo instituto do bem de família. Não haverá bem de família do locatário na locação residencial porque o locatário está a locar exatamente um bem residencial. O mesmo não ocorreria na locação não-residencial. O locatário não-residencial poderia ter um imóvel residencial próprio a se caracterizar como bem de família.

A nova orientação, contrária à jurisprudência consolidada, ressalta que não seria razoável o locatário não-residencial ter o privilégio da impenhorabilidade do bem de família, podendo-se, no entanto, penhorar o bem de família do fiador. Isso porque se ao locador-credor não é possível constringir judicialmente o bem de família do locatário (nas locações não-residenciais), não seria razoável constringir-se o bem do fiador, já que se trata de contrato acessório e de responsabilidade subsidiária, se não excluído o benefício de ordem. Não seria ocioso cogitar que na maioria dos contratos se promove à renúncia do benefício de ordem, figurando o fiador como devedor principal ou principal pagador, o que cria a solidariedade entre devedor e fiador. A impenhorabilidade ocorreria também nessas hipóteses.

O que se pode concluir é que essa decisão do STF, ao excluir a possibilidade de se penhorar bem de família do fiador nas locações não-residenciais para igualá-lo ao locatário não-residencial, atentou contra garantias firmadas, nas quais a sociedade acreditava poder confiar. Se, eventualmente, entendeu a Primeira Turma haver desequilíbrio entre fiador e locatário, a modulação poderia ser buscada(§ 3º, do artigo 927, do Novo CPC: “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”), ressalvando que a decisão somente produzirá efeitos a partir da própria decisão, resguardando-se os contratos celebrados até essa data.

À míngua de modulação, e dada a insegurança jurídica criada por um julgado em meio a tantos precedentes que o contrariam, o parágrafo 1º, inciso IX, do artigo 59, da Lei de locações (contrato sem nenhuma garantia), merece ser apreciado em toda a sua extensão nos novos contratos não-residenciais.

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