Coluna “O Seu Direito” por Luiz Filipe Coelho
Correio Braziliense 07/10/2013
Retomada de imóvel
Há mais ou menos 60 anos meu avô vendeu um terreno sem assinatura da minha avó. Segundo os meus tios e minha mãe ele estaria embriagado. Os dois eram casados. Ainda é possível reverter essa situação na justiça já que a venda foi ilegal.
V.
Santa Maria (DF)
Prezado V.:
O estado de embriaguez de seu avô (incapacidade relativa) e a ausência de assinatura de sua avó (outorga uxória) ensejam a anulabilidade da venda do imóvel. Contudo, o Código Civil de 1916, vigente à época da venda, estabelecia o prazo prescricional de quatro anos para que o negócio fosse anulado. Esse prazo se inicia, para o seu avô anular o negócio, a partir do dia em que cessou a incapacidade relativa, ou seja, a partir do dia em que ele recuperou a sobriedade. Para a mulher reivindicar os imóveis do casal, quando o marido os vendeu sem a assinatura dela, conta-se o prazo a partir da dissolução da sociedade conjugal. Para os herdeiros da mulher, a partir do seu falecimento, caso ela não tenha ajuizado a ação que a lei lhe assegura.
Partilha por testamento
Lendo sua resposta a M.M.S. Brasília (Correio Braziliense, de 03.06.2013) sobre partilha de bens, o senhor responde ao consulente: “O que você pode fazer é destinar a metade disponível dos bens para sua família e deixar que a outra metade seja partilhada conforme determina a lei. Sendo assim, seus filhos provindos do casamento terão uma parte maior na divisão de seu patrimônio, cabendo ao outro filho apenas o mínimo definido pelo Código Civil”.
Pergunto: a destinação sugerida seria por meio de testamento ou doação?
A.G.O.
Brasília
Prezado A.:
A destinação seria por meio de testamento, uma vez que a doação para descendentes importa adiantamento do que lhes cabe por herança, não se prestando para a finalidade proposta.
Testamento de dinheiro
Tenho 33 anos e, desde quando eu tinha quatro anos, minha mãe morava com o meu padrasto. Eles nunca se casaram. Em 2005, minha mãe faleceu e meu padrasto continuou morando comigo. Em 2006, me casei e até hoje ele mora comigo e meu marido e diz que quer morar comigo até os últimos dias de vida. Meu padrasto tem 75 anos, não possui bens, apenas uma conta bancária com aproximadamente R$200 mil. Não tem filhos, não tem mais os pais e nenhum irmão vivo, salvo um bando de sobrinhos que raramente o vêm ou ligam para ele. Em 2010 ele teve dengue e ficou muito mal de saúde. Cuidei dele e, mesmo depois de eu ter ligado para os sobrinhos deles irem visitá-lo, ninguém compareceu ao hospital — apenas na minha casa, na festa de comemoração de reabilitação da saúde dele. Então, gostaria de saber se, no caso de morte do meu padrasto, para quem ficará esse dinheiro no banco, já que ele não fez nenhum testamento e eu me sinto constrangida de falar com ele a respeito e ele também não se prontifica? Por ele ter pouco estudo, tenho a impressão de que ele acha que, depois que morrer, é só eu ir ao banco e sacar todo o dinheiro dele e ficar para mim. Mas creio que não seja assim. Penso que seja mais burocrático. Enfim, esse dinheiro ficará para o Estado, para os sobrinhos dele, poderá ficar para mim ou para quem? O que devo fazer para futuramente, no caso de morte do meu padrasto, poder ficar com esse dinheiro legalmente?
M.R.,
Brasília
Prezada M.:
A herança é deferida na seguinte ordem: aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; ao cônjuge sobrevivente; aos colaterais, sendo que, na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos. Assim, como você não pertence a nenhuma dessas classes, em regra você não teria qualquer direito aos bens deixados por seu padrasto, apenas os sobrinhos. A única forma que vislumbro de lhe assegurar a herança a ser deixada por ele seria por testamento. Ressalto que, como ele não possui herdeiros necessários, (descendentes, os ascendentes ou cônjuge) ele poderia dispor da totalidade de seus bens.
Enriquecimento ilícito
Contratei serviços de um dentista a fim de fazer um implante dentário. O procedimento se inicia com a extração do dente com problema detectado e logo após há o implante. Entre um serviço e outro há um prazo de três a quatrp meses para a cicatrização da cirurgia de extração, para, logo em seguida, iniciar o procedimento de implante. Acontece que, logo ao tratar com o dentista, ele me alertou que o pagamento deveria ser efetivado à vista, visto que os materiais poderiam subir de preço, sem me avisar do lapso grande de tempo entre a extração e o implante propriamente dito. Questionei com o profissional o porquê de ter cobrado todo o tratamento se não se efetivaria naquele período. Ele explicou, mas não convenceu, visto que, como estávamos no mês de novembro, percebi que ele queria fazer caixa por algum motivo. Em suma: perdi a confiança no profissional e manifestei vontade de encerrar o tratamento. Disse a ele que me cobrasse a extração e me devolvesse o restante. A resposta foi negativa, alegando que, no consultório dele, não haveria a hipótese de devolução em razão de uma norma interna. Pergunto: qual a possibilidade de um dentista, profissional da área médica, legislar, criar leis, em relação aos seus pacientes? Qual seria a medida cabível no caso?
P.V.
Brasília
Prezado P.:
Nosso ordenamento jurídico veda o que chamamos de enriquecimento sem causa, ou seja, quando há acréscimo de bens no patrimônio de uma pessoa em detrimento de outrem, sem que para isso haja um fundamento jurídico. Como você pagou pelo tratamento inteiro, mas só recebeu parte dele, o dentista estaria recebendo sem nenhuma forma de contraprestação. A medida cabível no presente caso seria o ajuizamento de ação perante os Juizados Especiais Cíveis.
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