Ninguém questiona que a atual Constituição Brasileira adotou, como regra geral, o princípio da votação ostensiva e nominal. O voto secreto, como princípio, aplica-se ao representado, ao eleitor que escolhe o seu representante junto ao parlamento. Ao seu representante, até pelo dever moral que ele tem de prestar contas de suas ações aos representados, aplica-se a regra geral do voto ostensivo e nominal, para que o povo possa saber com precisão qual a orientação do parlamentar.
O conceito de votação nominal se contrapõe, portanto, ao de escrutínio secreto, na linha de entendimento segundo a qual o controle da atividade estatal, pela opinião pública, constitui uma das expressões mais significativas do Estado regrado por uma opção democrática.
Portanto, a exigência de publicidade dos atos que se formam na esfera estatal reflete um princípio intangível, a que a nossa Constituição não se mostrou avessa.
De se relembrar que, à época da cassação do então Presidente Collor, houve acirrados debates sobre a relevante questão consistente no caráter ostensivo, ou não, da votação parlamentar destinada a concretizar, no âmbito da Câmara dos Deputados, formulação do juízo de admissibilidade da acusação. O Próprio Supremo Tribunal Federal, enfrentando a questão, reafirmou a inegável supremacia do que dispõe o art.23, da Lei 1079/50, que trata da votação nominal, em contraposição ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em que o preceito inscrito no seu art. 188, II, contemplava a modalidade do escrutínio secreto.
Nesta decisão, muito embora tenha entendido o Supremo Tribunal que o Regimento Interno da Câmara Federal, ao contemplar a modalidade de escrutínio secreto estaria invadindo esfera de competência reservada ao legislador, com a norma de que trata o art. 23, da Lei 1079/50, houve inequívoca inclinação no sentido de se negar a índole constitucional do voto secreto nos casos de ausência de interesse público.
Naquela oportunidade, o Ministro Celso de Melo, louvando-se em lição ministrada por João Barbalho (Constituição Federal Brasileira – Comentários, p. 88.1902 – RJ), afirmou que bem justifica a ampla publicidade que deve prevalecer, na esfera da Câmara dos Deputados, quando da denúncia oferecida, por crime de responsabilidade, contra Presidente da República. Diz, ainda, que o caráter aberto dessa votação parlamentar impõe-se como um meio necessário de controle da opinião pública sobre as deliberações dos representantes do povo. Não deixou S.Exa. de destacar, também, o ensinamento de Carlos Maximiliano no sentido de que “a publicidade ainda é mais necessária, em se tratando das palavras e votos dos congressistas, que não têm senão a responsabilidade moral e são mandatários diretos do povo. Quando erram, o castigo único é a repulsa geral e a falta de sufrágios quando pleiteiem a reeleição”. Ainda em suas doutas palavras, “o modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita (a) o poder que oculta e (b) o poder que se oculta.
Não sem razão, portanto, que a Constituição deixou expresso que todos os julgamentos serão públicos, podendo a lei, se o interesse público exigir (olha ele aí de novo), limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes (C.F. art. 93, IX).
A própria Constituição Federal não restringe esse conceito. O amplia desbragadamente, espraiando-o, para todas as esferas do Estado, seja no processo judicial stricto sensu, seja no processo administrativo. Assim, não se mostra minimamente razoável a sistemática do voto secreto.
É que, aplicados os conceitos expostos, assentados sempre no princípio da legalidade e da transparência, viola-se a essência do estado republicano a adoção de procedimento sigiloso em votação que deve ser do conhecimento de toda a Nação.
Argumenta-se na esfera congressual que o voto aberto se aplica nas hipóteses de processo legislativo. Justificam, portanto, o voto secreto para aquelas situações outras em que há de se proteger, com o sigilo do voto, o parlamentar da influência deletéria que um contexto sócio-político pudesse ter sobre a sua manifestação livre, tal qual ocorre com o eleitor comum. Assim, antes de se consumar o ato de votar, lhe é assegurada, em determinados casos, a votação sigilosa.
Ainda que se cogite, então, exista um primeiro momento em que o sigilo deva ser preservado, superada esta fase, no entanto, nada mais é de se manter em sigilo porque a fase de preservação da pureza do sufrágio, única a ser protegida por eventual procedimento sigiloso, já estará superada. Aí nasce a obrigatoriedade de se abrir o voto do parlamentar, para que se dê cumprimento ao mais basilar preceito das democracias representativas, qual seja, a prestação de contas ao eleitor. Para o eleitor a preservação do sigilo é fundamental, mesmo após a votação, sob pena de receber eventual retaliação de qualquer ordem. A situação do parlamentar não tem, entretanto, qualquer paralelo com a do eleitor. Ele é, por dever constitucional, obrigado à prática de atos públicos e transparentes, em decorrência do simples e fundamental fato de serem mandatários diretos do povo.
Nesta linha, cuja compreensão é fundamental para que se considere que a Constituição Federal encerra preceitos democráticos de um Estado visível, é de se ver que o sigilo da votação se encerra quando se encerra o processo de votação! Não resiste, a meu ver, a qualquer apreciação sistemática da Constituição, a tese de que os votos, secretamente lançados, deverão assim permanecer após a votação. O que pretendeu a Constituição proteger foi a independência do parlamentar durante o ato de votar, a fim de que outras circunstâncias não interferissem no processo de escolha a que estava submetido.
É natural que alguns áulicos tenham tentado estender o itinerário do sigilo mesmo após o sufrágio porque, aí, não são mais os interesses da cidadania que prevalecem. Mas claro está que Constituição, instituída para encerrar a vontade do povo, não quer a perpetuação do sigilo.
Sob esse entendimento, desnecessária qualquer alteração constitucional, já que tal se extrai do próprio texto vigente e, portanto, é de imediato aplicável.
Luiz Filipe Ribeiro Coelho, advogado, ex-presidente da OAB-DF.