Parte da jurisprudência tem-se inclinado pela devolução, ao comprador, da comissão paga diretamente ao corretor na compra e venda de imóvel, ao fundamento de que, na forma do art. 51, inciso IV, do Código do Consumidor (CDC), a prática constitui cláusula abusiva. Argumenta-se não haver previsão legal para transferir o encargo ao consumidor, ser este encargo obrigação do vendedor do imóvel e não ter sido o consumidor esclarecido sobre o fato. Contudo, mesmo se admitindo que o pagamento da comissão pelo comprador ao corretor não se compadece com o CDC, o fato é que a devolução da comissão de corretagem não acarreta qualquer vantagem para o consumidor. O que se reconhece é o equívoco da conduta de certos incorporadores que, ao invés de receberem a integralidade do preço do bem, dele subtraem a comissão de corretagem para que o comprador a pague diretamente ao corretor. Mas isso, no entanto, não significa dizer que o valor da comissão devida ao corretor não pode ser incluído no preço do imóvel, já que o preço, formado por todos os custos da atividade, pertence à incorporadora. A devolução, portanto, não significa abatimento do preço e tem por efeito apenas a adequação de conduta em face do CDC. O preço do imóvel deve permanecer intocado, visto que ao celebrarem um contrato de compra e venda as partes estabeleceram o valor a ser pago pelo comprador. Se o vendedor desmembra o preço, transferindo ao comprador o pagamento da comissão de corretagem incidente sobre o negócio, o eventual equívoco de sua conduta em face do CDC pode até determinar que o valor destinado ao corretor seja devolvido, mas jamais que isso implique diminuição de preço do imóvel, por várias e jurídicas razões. De início, invoca-se o princípio da boa-fé, incorporado pelo Código Civil por dois emblemáticos artigos, 113 (“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”) e 422 (“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”).Como afirma Miguel Reale, “a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências”. Acreditar que a devolução da comissão importa em redução do preço, além de desconsiderar o princípio da boa-fé, implica ainda em enriquecimento sem causa do consumidor, pois resulta em modificação patrimonial injustificada, quando alguém enriquece em detrimento de outrem. Se existe vício no contrato, a inadequação do procedimento não lhe afeta a essência ou a declaração de vontade quanto ao valor total do negócio ajustado. Disso decorre que o vendedor, eventualmente condenado a devolver a comissão de corretagem por alegada vulneração ao CDC, poderá recompor o preço do imóvel com o valor que foi obrigado a devolver, já que, por lei, o consumidor está obrigado a restituir o proveito econômico indevidamente auferido. Efetivamente, é de se reconhecer que o enriquecimento que, às vezes, surge para o consumidor, ainda que com apoio na lei e mesmo por motivos de lógica jurídica, mostra-se injustificado ou sem causa, se se ponderar que a regulamentação justa das relações patrimoniais é o fim último do direito que as rege. Daí que o valor que tiver recebido em devolução deve, naturalmente, ser apropriado ao saldo devedor junto à incorporadora. Veja-se, ainda, que o dever ético de garantir a equação econômica é também um dever jurídico, como corolário específico do princípio constitucional que não admite o sacrifício de interesses sem o justo ressarcimento. Entender-se possível a redução de preço implicaria, na prática, em infração à garantia constitucional do direito de propriedade (art.5º, XXII e XXIV, da CF/88). Dessa forma, tendo em conta que comprador e vendedor tinham pleno conhecimento do preço total do imóvel, eventual adequação de conduta em face do CDC não significa redução de preço, estando o vendedor, se condenado à devolução da comissão de corretagem, autorizado a incluir valor equivalente no passivo do consumidor, independentemente de qualquer aditivo, eis que se trata apenas de reconhecer o que originariamente as partes pactuaram.
Luiz Filipe Ribeiro Coelho é ex-presidente da OAB-DF